Gabriela Leal Barbosa — 14/09/2007 — A realidade social brasileira.
A desigualdade é uma marca histórica da sociedade brasileira. O Brasil está entre os países com os piores índices de distribuição de renda, onde a parcela de 10% da população mais pobre detém apenas um 1% da renda, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Já os 10% de brasileiros mais ricos abocanham quase a metade da riqueza nacional. São números que pouco ou quase nada se alteram na passagem dos anos.
Neste contexto, só pode ser acertada a posição daqueles que aceitam a contradição como sendo motor da vida social, especialmente, nas sociedades baseadas na economia de mercado, guiadas pela vertigem provocada pela mercadoria, o consumo e o espetáculo.
O resultado das relações estabelecidas de forma desigual entre os que os que produzem e os que se apropriam da produção, traduzido para o terreno da cultura, refletem a exclusão e o abismo existente no acesso à produção e à circulação de bens e serviços culturais entre indivíduos que dispõem formalmente dos mesmos direitos.
A imensa maioria dos brasileiros permanece relegada ao consumo de conteúdos veiculados pelos grandes grupos de televisão e de outras mídias, tidos ainda hoje como os bastiões da cultura nacional, esteios da comunicação, porta-vozes daquilo que se ouve, se vê, se encena e se sonha.
O patrimônio cultual brasileiro é rico e diversificado, materializado no conjunto de técnicas e expressões artísticas, na língua e na linguagem, nos costumes, na memória e no patrimônio histórico. São valores relacionados à vivência social, que operam sentido de forma permanente na realidade das pessoas, em oposição à ação cultural direcionada apenas para o evento, a ostentação e para o entretenimento em contraste com a grande e variada produção, o abismo no acesso à cultura é enorme. Ricos e pobres gastam cerca de 4% de suas respectivas rendas com atividades culturais. Basta este dado para explicitar as diferença entre os dois pólos do estrato social.
E podemos ir além. Mais de 90% dos municípios não possuem salas de cinema, teatro, museus e espaços culturais de uso variado. Apenas 13% dos brasileiros freqüentam cinema pelo menos uma vez por ano, 92% nunca foram a museus e 93,4% de nosso povo jamais apreciou alguma exposição de arte, de acordo com estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada com o objetivo de situar a realidade cultural e subsidiar ações e políticas para esta área.
Em 2009, 1.152 municípios brasileiros não tinham bibliotecas públicas, conforme recente estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que traçou um censo dos equipamentos de leitura de todo o país. O levantamento informa, também, que praticamente a metade das bibliotecas tem computador com acesso à internet, mas que menos de um terço delas oferecem este serviço para a população. O censo apontou que só 12% dos espaços permanecem abertos aos sábados e 1% aos domingos, 24% deles mantêm funcionamento noturno e que mais de 90% não têm condições de acessibilidade para pessoas especiais. Também é baixa a incidência de atividades culturais desenvolvidas nas bibliotecas. Na mecânica da atividade cultural, a quantidade de acesso, produção e consumo de bens, serviços, produtos e manifestações culturais, é a medida do impacto da cultura na qualidade e no modo de vida das pessoas.
Deste modo de enxergar, os programas culturais são derivados do entendimento político, o compromisso e a responsabilidade dos agentes públicos estatais com a promoção e a ampliação do universo simbólico e a capacidade criativa, as manifestações, expressões e a identidade de um povo. A universalização da cultura através da produção e do consumo, a garantia de financiamento e a democratização por meio da participação e o controle social se convertem em fato e resultado se operarem a salvo do vício do aparelhamento e do compadrio político-partidário.
Em seu oposto, presa a práticas de paróquia, a ação cultural não deixará de representar apenas um bom negócio para alguns e fator de exclusão de muitos.
(*) Paulo Bogler é agente cultural, dirigente da Associação Guatá, em Foz do Iguaçu, Pr. Texto publicado originalmente na revista Escrita, edição 12.
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